Fundadora do perfil ‘O Espelho do Preto’, escritora e influenciadora digital Sheyla Bastos é a entrevistada especial no Mês da Consciência Negra
Colaboradora do Colégio Antônio Vieira, Sheyla destaca importância da educação étnico-racial para crianças e adolescentes em casa e na escola
Ao fundar, há cinco anos, o perfil @oespelhodopreto, a pedagoga, escritora e influenciadora digital Sheyla Bastos buscou criar um veículo na internet para divulgar as potencialidades do povo preto em todas as áreas de atuação e segmentos da sociedade, além de unir forças no enfrentamento do racismo, entre outras adversidades. “Uma página que, ao contrário da maioria, não foi criada meramente com foco na conquista de seguidores, mas principalmente na qualidade do conteúdo a ser exibido”, a exemplo de ações voltadas para uma educação étnico-racial. Hoje, @oespelhodopreto conta com quase 300 mil seguidores, dentre eles, celebridades e outros grandes influenciadores digitais engajados na questão que, muitas vezes, repercutem as publicações até internacionalmente.
Estão nessa lista Daniela Mercury, Zélia Ducan, Suzi Rêgo, Déa Lúcia, Kell Smith, Adalberto Neto, Pedro Guilherme, André D’Lucca, Preto Zezé, Lucas Luigi, Preta Evan, Jaqueline Góes, Rocco Pitanga, João Pimenta, Zezé Barbosa, Hugo Gloss, Netinho de Paula, Carla Akotirene, Cynthia Sangalo e muitos outros. A valorização do povo preto é tema também de dois dos três livros publicados por Sheyla, ambos voltados para o público infantil: “Espelho, espelho meu: a história de Ana” (2020) e “A versão de cada um” (2022). Pedagoga, ela atua como contadora de histórias na biblioteca do Colégio Antônio Vieira e, nesta entrevista especial do Mês da Consciência Negra, destaca a importância de uma educação antirracista em casa e na escola. Confira!
Como fundadora de um perfil e autora de livros que abordam a valorização da cultura e do povo preto, como avalia o fato de o tema da educação antirracista entrar na agenda das discussões do país, neste Dia da Consciência Negra?
A educação antirracista é fundamental para as crianças desde os primeiros anos no Ensino Infantil, mas deve começar em casa – além de um currículo nesse sentido nas escolas. É um tema que sempre deve estar em pauta, independentemente das também importantes reflexões trazidas à tona no Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro. Afinal, é um assunto que vai para muito além de falar de racismo. Existem outros pilares que precisam ser enfatizados o ano inteiro, como por exemplo, a inteligência, a cultura, a beleza e a diversidade do povo negro. Por isso, é essencial que exista uma parceria entre a família e a escola nessa questão que é de significativa importância para toda a sociedade.
Você sempre ressalta em suas obras e posts que a educação antirracista não deve se limitar às crianças negras e às escolas. Como deve ser essa abordagem?
A desconstrução de estereótipos; a prática da empatia e do respeito ao próximo; e, também, a convivência de forma interativa, são ferramentas fundamentais para uma prática antirracista. É extremamente necessário falar também para as crianças não negras sobre o crime do racismo, de forma clara e conscientizadora. Mais do que isso: valorizar a identidade cultural afrobrasileira fomentando o quanto o povo negro foi e é essencial no processo de construção da nossa sociedade. Uma dica que pode ajudar: como a criança aprende muito por meio da ludicidade, explorar recursos diversos, como livros, filmes, desenhos, contações de histórias, músicas e brincadeiras, tendem a colaborar bastante para uma promoção de uma educação antirracista. Em relação às crianças negras, quando elas aprendem sobre a sua ancestralidade e há uma identificação com a sua história, acontece naturalmente um estímulo para uma autoestima segura. Pois, saber que existem pessoas também pretas e que têm potencial em todas as áreas, é de uma relevância ímpar, principalmente nessas etapas iniciais da vida.
Você percebe avanços na educação nesse sentido?
Sim, posso citar o exemplo das escolas da Companhia de Jesus, entre elas o Colégio Antônio Vieira, empresa onde atuo como contadora de história e escritora, pois já há alguns anos a educação inaciana vêm desenvolvendo e trabalhando projetos que abordam, com muita qualidade, os temas que se referem ao povo preto. Nas bibliotecas do Vieira são sempre apresentados livros, histórias e ainda outras dinâmicas que ampliam o repertório sobre a diversidade negra e as referências positivas como forma de empoderamento. Também são abordadas, com ludicidade, questões como os atos de racismo que, infelizmente, ainda são recorrentes no cotidiano das pessoas, como vemos casos em todo o mundo, até mesmo com celebridades. Afinal, o racismo é real e não está apenas nas histórias dos livros. Ao contrário: ainda acontece muito com as crianças negras, que são duramente machucadas pelo preconceito presente na sociedade, e é preciso mudar esta realidade com uma educação nesse sentido, desde cedo.
Como surgiu a ideia de criar o perfil @oespelhodopreto, hoje já com 275 mil seguidores?
Os resultados positivos das ações que se consolidam cada vez mais no colégio onde trabalho, em contraponto aos relatos de crianças (e também adultos) vítimas de racismo em noticiários e situações na sociedade, foram uma das razões que me motivaram na criação do perfil no instagram @oespelhodopreto, com o objetivo de espelhar as potências pretas em todas as áreas possíveis, mas também denunciar o racismo em meio a esta proposta. Uma página que, ao contrário da maioria, não foi criada meramente com foco na conquista de seguidores, mas principalmente na qualidade do conteúdo a ser exibido. A finalidade maior, portanto, é mostrar e valorizar ainda mais a diversidade cultural e histórica da negritude e as suas colaborações para a formação da sociedade atual. O sucesso do perfil, que já conta hoje com 275 mil seguidores aproximadamente, é também um indicativo de o quanto a conscientização sobre os males do racismo e a valorização do povo preto são um tema que ainda exige muita divulgação, muito acolhimento em canais e instituições que o tratem com muito respeito, para além do Dia da Consciência Negra. No perfil, mais do que simplesmente contar seguidores, o propósito é promover questionamentos sobre igualdade e equidade, trazendo conteúdos que incluem indicações de livros, exibição de documentários, posts sobre algum assunto relevante do dia ou da comunidade preta no geral. Embora o nome tenha origem em uma publicação infantil que aborda a questão do racismo – o livro “Espelho, espelho meu: a história de Ana”, de minha autoria, o perfil não é direcionado para o público infantil, por conta da complexidade dos temas tratados nas publicações. A linguagem é mais para jovens e adultos, por ter uma escrita mais rebuscada e direcionada, contando, atualmente, com mais dois amigos administradores em São Paulo: Rafael Matias e Hamadi Fonseca.
Como o tema é tratado em suas obras infantis?
No meu primeiro livro (“Espelho, espelho meu: a história de Ana”), lançado em 2020, falo da autoestima de uma criança preta que não se via representada nos veículos de comunicação visual. Já o meu segundo livro (“A versão de cada um”), de 2022, aborda o empoderamento de uma princesa e os sentimentos de um príncipe, ambos personagens pretos. A história relata que, por conta das suas posições enquanto majestades, os dois são obrigados a seguirem um script. Na verdade, é uma história de desconstrução de estereótipos, de forma divertida. É também uma forma de mostrar, por meio das ilustrações, a genealogia de reis e rainhas, princesas e príncipes, pretos, pois ao longo da história, o nosso legado foi apagado, escondido, negado.
Quais outros livros, de outros autores, você indica também nessa linha da educação étnico-racial?
Indico para as crianças lerem ou ouvirem os livros: “Amora”, de Emicida; “Sulwe”, de Lupita Nyong’o; e “O Pequeno Príncipe Negro”, de Rodrigo França. Já para adultos, indico o livro da Chimamanda Ngozi Adichie, cujo título é: “O perigo de uma história única”. Um outro livro que é bem interessante “Como ser Antirracista”, do autor Ibram X. Kendi, no qual ele aborda sobre a importância de o indivíduo mudar, deixando de ser, por exemplo, passivamente não racista, para ser um antirracista ativo. Todos esses livros estão disponíveis para crianças e colaboradores nas bibliotecas do Vieira, juntamente com outras obras também muito interessantes.
Qual sua mensagem para os pais de crianças e jovens nesse Dia da Consciência Negra?
As crianças aprendem primeiro com os adultos e, depois, ensinam umas às outras. Portanto, o pontapé inicial está nas nossas mãos: família e escola. Ser antirracista é mais do que lutar contra o preconceito racial, é não permitir que ele continue acontecendo.
Fotos: Secom/CAV.
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