30.08.21

ENTREVISTA – Prof. Zelão destaca vivências dos professores e insurgências curriculares na educação do século 21

Articulador pedagógico do Fundamental Maior e do Ensino Médio no Vieira abordou o tema na Revista Vieirense

ENTREVISTA – Prof. Zelão destaca vivências dos professores e insurgências curriculares na educação do século 21

Doutor em Educação, historiador e integrante do Grupo de Pesquisa em Currículo e Formação da Universidade Federal da Bahia (Formacce-Ufba), o professor José Teixeira Neto é um dos profissionais mais requisitados para formação docente no estado. Em um desses momentos, o mestre questionou ao grupo de professores: “O que vocês trazem de si para a sala de aula?”. E emendou com uma metáfora: “O que vocês carregam em suas mochilas existenciais?”. Prof. Zelão, como é mais conhecido, referia-se às vivências cotidianas de cada indivíduo, e como, no caso dos docentes, esse movimento pode contribuir para um trabalho de formação integral dos estudantes, sobretudo quanto ao desenvolvimento do senso crítico no mundo contemporâneo.

Após pesquisas que resultaram em uma tese de doutorado, o Prof. Zelão, que é coordenador pedagógico da 2ª série do Ensino Médio do Colégio Antônio Vieira e um dos articuladores pedagógicos da instituição, lançou, no ano passado, um livro sobre o tema. A obra “Mochilas Existenciais e Insurgências Curriculares: possibilidades de interações nas pedagogias culturais do tempo presente” norteia esta entrevista concedida, com exclusividade, para a Revista Vieirense.

A partir do que é abordado no livro, como os professores podem ampliar o processo de aprendizagem dos alunos ao recorrer às chamadas “mochilas existenciais”?

Prof. Zelão Teixeira – O livro enuncia o currículo vivo, como pautas formativas em devir, que possa provocar educadores e educadoras não como um manual, um tutorial ou um passo a passo sobre uma prática curricular. Mas inspirações sobre ações curriculares possíveis,  praticadas por docentes em seus cotidianos, para ser refletida, problematizada, questionada, enfim, discutida no campo da formação.

Alguns pensadores e pensadoras de educação ajudaram-me na criação desses conceitos. Jorge Larrosa afirma que experiência não é a quantidade de coisas que você fez ou faz; experiência é tudo aquilo que nos toca profundamente, nos transforma naquilo que estamos sendo durante a vida. Jacques Ardoino, por sua vez, aponta que somos seres que se constituem na multirreferencialidade, ou seja, estamos sendo o que somos por conta de todas as referências que temos em nossa vida: a família, a escola, a rua etc. Já Roberto Sidnei Macedo indica a etnoformatividade como um tipo de formação nos lastros de nossas vivências, nos sentidos dos grupos e lugares onde existimos.

Quando passamos a ter consciência desse processo, ampliamos nosso repertório e recursos formativos. Não é a substituição dos conteúdos disciplinares por nossas histórias de vida. Mas, sim, utilizá-las para trabalhar os conteúdos de maneira mais significativa, fazendo a diferença aparecer e não uma igualdade forjada.

O que são, na prática, as insurgências curriculares? Em que medida elas ampliam os currículos prescritos tradicionais das disciplinas dadas em sala de aula?

Insurgência é um termo emprestado da história, da sociologia, para caracterizar algum movimento, acontecimento, fenômeno, alguma emergência que não estava prescrita, programada, planejada. Vivemos em contextos midiáticos que nos afetam, nos formam, provocam aprendências diversas que não ocorrem, necessariamente, com os professores e professoras em salas de aula.

As insurgências curriculares são uma maneira de currículo, com possibilidades de formação significativas, por trazerem temas que desdobram, ou não, dos programas prescritos das disciplinas, podendo também serem provocadas por professores e professoras ou mesmo alunos e alunas, em função de sua emergência no contexto, algo que ocorreu ou vem ocorrendo naquele período e obtém notoriedade na mídia, nas redes sociais, ou ainda na comunidade em que o grupo está vivendo.

A insurgência, portanto, emerge inundando as interações, convocando todos e todas de alguma maneira com suas opiniões e posicionamentos expressados por suas mochilas existenciais, movendo nossas oportunidades de aprendizagem.

O livro “Mochilas Existenciais e Insurgências Curriculares: possibilidades de interações nas pedagogias culturais do tempo presente” está à venda no site da editora CRV (clique aqui). Pedidos também podem ser feitos pelo WhatsApp: 71- 98790-8658

As famílias dos alunos, muitas vezes, revelam preocupação quanto à mídia e redes sociais que nem sempre trazem conteúdos considerados de qualidade para crianças e jovens. Como os professores podem atuar de forma significativa diante dessa questão e, em geral, de todas as pedagogias culturais do tempo presente, como o senhor aborda no livro?

As pedagogias culturais do tempo presente tratadas no livro referem-se a uma perspectiva de formação elaborada por duas pesquisadoras e educadoras brasileiras, Marisa Vorraber Costa e Viviane Camozzato, que nos ajudam a pensar e problematizar os sentidos de pedagogia no contemporâneo.

É todo o lugar onde o poder está operando, seja nas academias, escolas, faculdades, universidades, seja nos artefatos e equipamentos culturais, revistas semanais, jornais impressos e televisivos, cinema, novelas, blogs, vlogs, sites, canais de youtubers, propaganda, entre tantos outros. Somos enredados por essas pedagogias no cotidiano, ou seja, somos capturados por elas culturalmente, independentemente dos programas e  currículos escolares.

As pedagogias culturais do tempo presente estão, portanto, sempre nos interpelando, formando sujeitos para determinados discursos. Mas há também positividades nessas pedagogias que podem ser problematizadas na formação escolar, praticando currículos vivos, insurgentes, que provoquem enfretamentos dessas imposições consumistas, que sejam rotas de fuga desses enquadramentos sociais homogeneizadores.

O livro traz narrativas de professores, muitos que atuam no Vieira. Qual a avaliação que o senhor faz dos recursos adotados pela equipe pedagógica do Colégio para ir além do currículo prescrito?

De fato, na pesquisa, contei com a contribuição fundante de educadores e educadoras tanto do Colégio Antônio Vieira como de outras instituições públicas e privadas de Salvador. No caso do Vieira e dos demais colégios da Rede Jesuíta de Educação (RJE) no Brasil, há um campo fértil para essas práticas.

A Pedagogia Inaciana mobiliza educadores e educadoras a acessarem e serem acessados e acessadas em suas mochilas existenciais para provocarem ou serem provocados e provocadas para práticas de currículos vivos, considerando o contexto em que se inserem e as insurgências cotidianas que os desafiam, as desafiam.

Especificamente no Vieira, querido e afetuoso colégio onde atuo há 23 anos, vivencio essas possibilidades com colegas educadores e educadoras cotidianamente, tanto nas salas de aula, nos projetos de série e reuniões pedagógicas formativas, quanto nos corredores, no cafezinho e com alunos, alunas e famílias.

O senhor lançou o livro bem no ano em que a pandemia da Covid-19, por sua vez, lançou luz sobre o papel da escola e do professor no processo de aprendizagem. Em que medida este contexto também corrobora com suas proposições?

A Covid-19 configurou-se como uma das grandes e perturbadoras insurgências que o currículo-vida nos proporciona, nos provoca, nos ameaça, nos desloca e faz emergir de nós o que temos de melhor e pior, o que temos como compreensão de minha individualidade no coletivo e de meu desdém pelo coletivo, centrando-me em minha individualidade.

Aquelas famílias, sobretudo em outros países, que antes defendiam, por exemplo, o homeschooling (educação domiciliar) e que a escola não servia para nada agora perceberam, pelas vias mais tortas e sofridas, a importância da escola no processo de formação. Penso, assim, que essa questão pandêmica e seus desdobramentos devem ser tratados por todos e todas nós, formadores e formadoras, alunos e alunas, famílias, poder público e as inúmeras e diversas lideranças, também a partir de suas oportunidades de aprendências.

Estamos, portanto, nos enredando nas pedagogias do corona! Não há e nem haverá “novo normal”! Normalidade para quem? O novo é novo e já está em curso. É esse movimento do tempo presente e suas pedagogias que podemos tomar como potência formativa, transversalizando as disciplinas.

Clique na imagem e confira outras reportagens da Revista Vieirense 2021!

Utilizamos cookies para melhorar sua experiência em nossos sites e fornecer funcionalidade de redes sociais. Se desejar, você pode desabilitá-los nas configurações de seu navegador. Conheça nossa Política de Privacidade.

Concordo