Edivaldo Boaventura, ex-aluno ilustre do Vieira, morre aos 84 anos
O professor participou intensamente da celebração dos 100 anos do Colégio e recentemente integrou um livro com relato de Vieirenses de várias décadas.
A comunidade educativa do Colégio Antônio Vieira agradece e se orgulha por todo legado do nosso ilustre ex-aluno Edivaldo Boaventura, falecido na madrugada desta quarta-feira (22), em virtude de complicações de uma cirurgia cardíaca. Nascido em 10 de dezembro de 1933, ele cursou o secundário no Colégio Antônio Vieira. Posteriormente, formou-se em Direito e Ciências Sociais, e obteve a Livre Docência pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Era também mestre e Ph.D em Educação pela Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA). Nos últimos anos,Boaventura participou no Vieirado Congresso Inaciano (foto), realizado em 2010,das comemorações do Centenário (2011), e em 2016 integrou o livro “Colégio Antônio Vieira: Cem anos, Cem histórias, Sem censura”, que reúne relatos de ex-alunos de várias décadas (confira o texto abaixo).
No ano de 1968, a convite do reitor da Ufba, Roberto Santos, Edivaldo Boaventura implantou a Assessoria de Planejamento encarregada da reforma universitária, quando publicou ‘Universidade em mudança’. Como professor adjunto, transferiu-se da Escola de Administração para a Faculdade de Educação da UFBA, da qual é um dos fundadores, e entrou para o Conselho Estadual de Educação da Bahia (1968-1983, 1991-1996), presidindo-o de 1976 a 1978.
Sua trajetória noJornal A TARDEcomeçou em 1996, quando ele exerceu o cargo de diretor geral. Durante a gestão, Boaventura deu especial atenção ao projetoA TARDE Educação, inserindo o jornal nas escolas do interior da Bahia.
É autor de 40 obras literárias, entre elas “Castro Alves: um parque para o poeta”, “Jorge Calmon – o jornalista” e “A construção da Universidade baiana: origens, missões e afrodescendência”. Boaventura deixa a mulher,Solange do Rego Boaventura,os filhos Lídia e Daniel Boaventura, e quatro netas. Solange e Edivaldo ainda eram pais de Pedro Augusto, já falecido.
O sepultamento do corpo de Edivaldo Boaventura será realizado nesta quinta-feira, 23, às 15h, no Cemitério Jardim da Saudade. A missa acontece às 14h30. Que a certeza da vida eterna e da Ressurreição de Cristo conforte o coração de todos os seus familiares e amigos neste momento.
Com informações do Jornal A Tarde
O tempo do Vieira
(Edivaldo Boaventura)
Ao se aproximar o momento de entrar para o ginásio, meus pais decidiram que eu iria estudar no Colégio Antônio Vieira em Salvador. Cursava, então, o quinto ano primário com a professora Helena Assis Suzart, em Feira de Santana. Matriculado, como aluno interno, preparei-me para o exame de admissão que dava acesso ao ginásio.
Encontrei um Colégio com professores de formação europeia e bem instalado. A biblioteca foi a primeira grande coleção de livros que conheci. Tanto o colégio como a capital eram novidades para mim. No final do ano, passei no exame de admissão. Voltei feliz para casa, em férias, promovido ao ginásio.
Inicialmente, recordo o diretor do Colégio, padre Constantino Cardoso, que me acolheu. Figura imponente, gordo e afável. Indagado como ia, respondia sempre com humildade e fé: vou melhor do que mereço a Deus.
A maioria dos professores era de padres portugueses. Expulsos de seu país pelo anticlericalismo da República Portuguesa, fundaram o Colégio, em 1911. Os padres se recordavam sempre de sua pátria. Condenavam os horrores da perseguição religiosa pelos republicanos. Dessa maneira, fui educado ouvindo, dramaticamente, a história de Portugal republicano, a desordem social e a ordem salvadora imposta por Salazar. Do mesmo modo, inteirei-me das aparições de Nossa Senhora de Fátima. A minha lusofonia é muito antiga, ela nasceu dessa convivência com os jesuítas portugueses exilados.
Tendo contato direto com o prefeito da divisão dos internos, experimentei, sucessivamente, as três divisões conforme ia crescendo. O vice-diretor tratava da vida escolar. Era quem assinava a caderneta permitindo a saída dos alunos internos aos domingos.
Lembro-me do tesoureiro padre Manuel Borges que cuidava meticulosamente das finanças. O Colégio ainda pagava as prestações financeiras pela construção do novo prédio. Vem a propósito a visita do ministro da Educação, Clemente Mariani, que ajudou a construir os dois andares restantes, complementando a fachada. Foi um dia de festa para todos, alunos e professores.
É inesquecível o padre Manoel Rufino Negreiros, professor de história e geografia, pelo modo pitoresco como se expressava.
Além dos padres ordenados, havia aqueles em formação que antes da teologia vinham estagiar. Eram os escolásticos. Confesso o meu reconhecimento ao padre Campos, que me induziu a ler as crônicas de Humberto de Campos e outros autores da época.
Calculo como foi significativo para mim haver estudado com os professores Raul Sá, cultor da língua portuguesa, e Gerson Simões Dias, exímio pianista, mestre do canto orfeônico.
O Colégio desenvolvia atividades religiosas, sociais e esportivas. Havia toda a tarde jogo de futebol, mas eu preferia as minhas leituras. O grêmio literário dos alunos depois passou a se chamar imponentemente Academia Vieirense de Letras. Nela falei algumas vezes e fui seu presidente. Participei do coral e do teatro. As partidas de futebol eram bem disputadas no campo da Graça. A torcida vieirense era entusiástica.
Participei e presidi a Congregação Mariana e a Juventude Estudantil Católica – JEC, braço especializado da Ação Católico. Com profunda admiração intelectual, evoco o padre Mariano Pinho, sacerdote culto, escritor, conhecedor da língua e literatura portuguesas. Padre Pinho liderava as atividades intelectuais. Devo-lhe o estímulo à leitura dos bons autores lusitanos, clássicos e modernos, dentre outros, Antônio Vieira, Manuel Bernardes, Ferreira de Castro, Guerra Junqueiro. Padre Pinho dirigiu a revista Brotéria, bastante lida no colégio. Com o padre Pinho, aprendi a fazer ata. Redijo ata desde a adolescência.
Como professor de inglês e de religião, músico e compositor, lembro-me do padre Luiz Gonzaga Mariz, regente da Orquestra Sinfônica da Bahia, a primeira que houve em Salvador. Eu assistia aos ensaios no Salão de Atos e comparecia aos concertos no Gabinete Português de Literatura. Vem dessa época o meu gosto pela música erudita.
Por fim, evoco o padre Torrend, que dirigia o Pensionato Mariano Acadêmico. De certa maneira, prolonguei a minha formação com os jesuítas, indo morar nessa instituição. Padre Torrend conjugava ciência com espírito missionário. Com ele muito aprendi. É um dos pioneiros do ensino das ciências.
Concluído o ginásio, com vistas ao curso de Direito, optei pelo colegial clássico. Realizei todo o curso secundário, no Vieira, de 1947 a 1953.
O colégio foi o meu primeiro universo de amizades. No coleguismo da adolescência, formei as amizades duradouras. Alguns colegas encontro sempre: Ângelo Calmon de Sá e Paulo Ormindo de Azevedo. Relembro com saudade de Luiz Navarro de Brito, compadre duas vezes, amigo da vida toda.
Com o passar dos anos, cada vez mais sinto e valorizo o meu colégio. O tempo do Vieira foi básico para a minha formação religiosa, moral e intelectual.
Seguindo as mesmas sendas, matriculei os meus filhos, Lídia, Daniel e Pedro Augusto, no Vieira. Depois vieram as netas. Já lá vão três gerações. Deus louvado, agradeço aos meus pais por terem escolhido para mim o Colégio Antônio Vieira.
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